sexta-feira, 2 de dezembro de 2011
Véu e Alcorão integram cultura da fronteira
Com 17 mil integrantes, colônia árabe manteve suas tradições e ajudou a fazer de Foz do Iguaçu uma cidade cosmopolita e multicultural
FOZ DO IGUAÇU - Fabiula Wurmeister, da sucursal
Fotos : Marcos Labanca/Gazeta do Povo
Meninas e mulheres cobertas com roupas longas e lenços que cobrem os cabelos circulam pelas ruas de Foz do Iguaçu, no Oeste do estado, como se estivessem em qualquer cidade de língua árabe no Oriente Médio. Nas ruas, placas e fachadas também em árabe indicam o cardápio do dia. Em algumas lojas, o alcorão é a peça principal do pequeno altar montado próximo ao caixa. Entre os cartões postais está a Mesquita Omar Ibn Al-Khattab, uma das maiores da América Latina.
Os primeiros imigrantes árabes chegaram a Foz no início da década de 1960, poucos anos antes da inauguração da Ponte da Amizade, entre o Brasil e o Paraguai, quando contava com menos de 30 mil habitantes, 11,5% da população atual. Mascate, Ibrahim Barakat foi o pioneiro entre os libaneses a se instalar na pacata cidade, ainda longe de ser a mundialmente conhecida Terra das Cataratas e de abrigar Itaipu, a maior usina hidrelétrica do mundo em geração de energia.
Huda não abre mão do véu e faz as filhas seguirem a tradição
Para ler com seu filho
Islamismo
Islã é baseado no Alcorão (texto considerado por seus seguidores como a palavra de Deus) e pelos ensinamentos de Maomé, seu fundador em 630 d.C. Na tradução livre, Islã significa “submissão a Deus”. O Brasil tem 2 milhões de seguidores, os muçulmanos.
Mesquita
Local de culto para os seguidores do Islã, as mesquitas também são conhecidas pelo seu papel comunitário e por serem as formas mais expressivas da arquitetura islâmica.
Guerra civil ou guerra interna
Conflito entre grupos organizados dentro do mesmo estado-nação ou país. Pode ocorrer também entre dois países, quando criados a partir de um estado-nação desmembrado. A do Líbano se estendeu de 1975 a 1990.
Véu islâmico ou “hijab”
Do árabe “cobertura”, o termo se refere tanto às roupas femininas tradicionais do Islã como apenas ao véu usado para cobrir os cabelos e parte do rosto das mulheres. É obrigatório no Irã e na Arábia Saudita. Para o Islã, é considerado uma “proteção à dignidade” das mulheres.
Ashura
Cerimônia de luto e lamento pela morte e sacrifício do “senhor dos mártires” Imam Al Hussein, neto do profeta Maomé, o fundador do Islã. Período sagrado de 10 dias equivalente à Semana Santa e à Paixão de Cristo, para os católicos.
Como era um dos raros comerciantes a abastecer a região, principalmente com roupas, Barakat logo teve êxito e um ano mais tarde trouxe o filho mais velho para ajudá-lo. Ao final de cinco anos, foi a vez do restante da família. A fama correu até São Paulo e o Rio Grande do Sul, estados brasileiros escolhidos por aqueles que, forçados pelos constantes conflitos com os países vizinhos e as ameaças de guerras civis no Oriente Médio, decidiram deixar a terra natal em busca de um refúgio nos trópicos.
Hoje, com cerca de 17 mil representantes, a comunidade árabe de Foz é a segunda maior do país depois de São Paulo, formada principalmente por libaneses, sírios e egípcios. O comércio ainda é a principal ocupação. Ao lado dos asiáticos, os árabes dominam a venda de importados em Ciudad del Este, no Paraguai. Na política, já foram mais influentes, inclusive com cadeira na Câmara dos Vereadores e à frente de importantes cargos no Executivo local.
Cultura
A religião islâmica – seguida por cerca de 80% dos imigrantes e descendentes da região – e o respeito às tradições são as características mais fortes da comunidade árabe da fronteira. “Isso não significa que somos fechados. Pelo contrário, estamos em um estágio de integração tão avançado que posso dizer ser este um conceito do passado”, avalia o libanês e presidente da Sociedade Beneficente Islâmica de Foz do Iguaçu, Mohammad Mahmoud Hijazi, há quase 25 anos na cidade. A maior leva de imigração árabe à região ocorreu entre 1986 e 1996.
A escolha pela cidade, explica Hijazi, se deu pela boa acolhida aos recém chegados e ao potencial econômico da cidade provocado pelo pujante comércio do lado paraguaio da fronteira e pela construção de Itaipu. “Muitos ainda olham para um árabe e dizem, este tem dinheiro. Temos habilidade para negociar e trabalhamos muito. Diferente de outros povos, procuramos manter nossas reservas. Isso nos ajuda a ter uma qualidade de vida melhor”, diz.
Depois de 50 anos da chegada dos primeiros árabes, ele não pensa em voltar, mesmo longe do país de origem e de parte da família. “Foi esta terra que nos recebeu. Aqui criamos nossos filhos, que hoje também estão formando família. O preconceito diminuiu muito e as pessoas até defendem os árabes. Somos parte de Foz do Iguaçu, uma entre as mais de 70 etnias que vivem aqui.” A interação tem se refletido na abertura à população das cerimônias religiosas mais tradicionais, como a ashura.
Longe, tradição se torna ainda mais rígida
Quando chegou ao Brasil e se instalou com o marido em Foz do Iguaçu, Huda Ali Moussa tinha 18 anos. Grávida da primeira filha, havia decidido não usar mais o véu típico das muçulmanas. “Era muito moça e meu marido também preferia que eu não usasse. Voltei a usar seis anos depois. Muitas mulheres aqui usavam e por isso fiquei mais à vontade”, lembrando que faz questão de que as filhas também mantenham a tradição.
Símbolo de respeito ao islamismo e causador de recente polêmica em países como a França, o véu e as vestimentas que recobrem o corpo das mulheres muçulmanas já não causam tanta estranheza e resistência na fronteira. “Conheci outras mulheres que tinham vergonha e para não chamar tanta atenção deixaram de usar. Não foi o meu caso, mas se pudesse voltar, com certeza não teria deixado de usar nenhum dia”, conta.
Com três filhos (duas moças de 20 e 25 anos e um menino de 8), ela se surpreende com a velocidade das mudanças no mundo árabe. “Lá não se vê mais tantas mulheres com o véu como antes. Quando minhas filhas viajam para lá, voltam querendo se vestir diferente, com roupas mais curtas do que as que as meninas árabes da idade delas usam aqui. Não gosto. Prefiro que respeitem os costumes.” A resistência ajuda a não perderem a identidade.
Em casa, procuram falar o idioma árabe. Na mesa os pratos típicos ainda são maioria, mas há tempos já vêm dando espaço à culinária brasileira. Nas viagens ao Líbano, onde ainda está parte da família, na mala não pode faltar mandioca, feijão e pão de queijo para as irmãs que viveram no Brasil. “Gosto muito de ir para lá, mas assim que os dias vão passando, logo quero voltar para a minha casa. É aqui que moro e quero ficar.”
Matéria veiculada no Jornal Gazeta do Povo .
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