Um terço das colisões registradas no Brasil são
causadas por veículos de carga. Excesso de trabalho é apontado como a
principal causa
Embora
representem apenas 3,22% da frota nacional, os caminhões foram
responsáveis por cerca de um terço dos acidentes em rodovias federais no
ano passado. Para especialistas, o cansaço provocado pelo excesso de
tempo ao volante está por trás da maioria desses acidentes. Uma lei
sancionada no início do mês, que entrará em vigor no dia 16 de junho, é
vista como um importante mecanismo na prevenção de ocorrências
envolvendo caminhões. A nova legislação regulamenta a profissão de
motorista e estabelece, entre outros itens, uma carga diária de oito
horas para esses profissionais.
A
regulamentação divide opiniões, em especial sobre o limite de horas,
exigência válida para motoristas com vínculo empregatício, autônomos e
para os estrangeiros em trânsito pelo Brasil. Enquanto a lei estabelece
um tempo de direção de oito horas diárias – limite aprovado pela
Confederação Nacional do Transporte (CNT) –, sindicatos patronais
defendem uma jornada mínima de 10 horas por dia. Por outro lado, médicos
afirmam que uma jornada de seis horas diárias, com pausas de 15 minutos
a cada duas horas, seria menos prejudicial aos motoristas.
Para o presidente da Seção de Transporte de Cargas da CNT,
Flávio Benatti, o fato de as regras alterarem tanto o Código de Trânsito
Brasileiro como a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) garante
segurança ao segmento e atende a reivindicações antigas de trabalhadores
e empregadores. “Pela primeira vez em 50 anos de rodoviarismo
conseguimos equilíbrio e viabilidade”, avalia.
O Brasil tem 2,3 milhões de caminhões registrados. Segundo a Polícia
Rodoviária Federal (PRF), 66.576 ocorrências (de um total de 192.188
casos) envolveram veículos de carga em 2011, com 9.621 feridos e 1.222
mortos. “Do total de acidentes em que há a participação de veículos de
carga, 93% são provocados pelos próprios motoristas. Somente 7% têm como
causas a má conservação das rodovias, a falta de sinalização, problemas
mecânicos ou a responsabilidade de outros condutores”, afirma Dirceu
Rodrigues Alves Júnior, chefe do Departamento de Medicina de Tráfego
Ocupacional da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet).
Horas ao volante
Segundo levantamento do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran),
71% dos caminhoneiros brasileiros dirigem mais de 13 horas seguidas sem
parar. Para 30% destes, a jornada sem descanso é superior a 16 horas. O
estudo revela ainda que alguns condutores chegam a viajar mais de 24
horas com apenas 15 minutos de intervalo, realidade que acompanha tanto
motoristas autônomos como empregados.
Outra pesquisa, feita pela Abramet, revelou que a jornada excessiva
dos caminhoneiros e as condições precárias de trabalho contribuem para o
aumento no número de acidentes nas rodovias. O levantamento aponta
ainda como causa dos acidentes o uso de anfetaminas de cocaína e de
maconha – os chamados rebites –, solução perigosa para permanecer
acordado e trabalhar por mais horas seguidas.
A fiscalização sobre os condutores é outro desafio. O monitoramento
deve ser feito pelas empresas, por diário de bordo ou tacógrafo –
aparelho que registra o tempo, a velocidade e quilometragem percorrida.
Este tipo de controle não pode ser realizado pela Polícia Rodoviária,
responsável, neste caso, apenas por multar o motorista quando flagrar o
equipamento desligado ou com defeito.
Caminhoneiros vivem sob risco
Dirigir horas a fio por estradas esburacadas, mal sinalizadas e de
movimento intenso parece a princípio carregar apenas o risco de
acidentes. Não bastasse esse, a Associação Brasileira de Medicina de
Tráfego (Abramet) enumera outros quatro fatores que tornam a profissão
de caminhoneiro uma das mais insalubres, perigosas e penosas entre todas
as ocupações conhecidas, aponta o chefe do Departamento de Medicina de
Tráfego Ocupacional, Dirceu Rodrigues Alves Júnior.
O risco físico gerado pelo excesso de ruídos e de vibração enquanto
se dirige pode com o tempo causar perdas gradativas de audição, zumbidos
constantes, podendo chegar à surdez, além de alterar o metabolismo,
gerar problemas de circulação e hormonais. Outro problema é o risco
químico trazido pela exposição diária à poeira e a gases e vapores
tóxicos que diminuem a imunidade e aumentam as chances de se desenvolver
algum tipo de câncer. “É como se fumasse dez maços de cigarro por dia”,
compara o especialista.
Saúde
Não são raros os casos de caminhoneiros com problemas na coluna e nas
articulações, quase todos resultado do esforço físico e das várias
horas que passam sentados dirigindo, fatores que caracterizam o risco
ergonômico. A higiene precária das cabines, a falta de manutenção dos
equipamentos de ar-condicionado e o fato de circular por várias regiões
expõem o motorista ao contato com germes de todo tipo e com diversas
doenças endêmicas, o chamado risco biológico.
O estresse provocado pelos longos períodos longe da família, pelo
medo de ser assaltado e pela responsabilidade que tem sobre a carga que
está transportando, observa Alves Júnior, potencializa todos os riscos.
“Tudo isso somado ao sono, à fadiga e à pressão por entregar a carga o
quanto antes – o que leva ao consumo de drogas –, à distração com
aparelhos de GPS, celular e televisão enquanto dirige e aos abusos de
velocidade elevam as chances de acidente aos níveis assustadores que
conhecemos hoje.”
Motoristas aprovam regulamentação
Entre os caminhoneiros, a regulamentação é vista como uma forma de se
reduzir o excesso de trabalho. No entanto, eles defendem que ela
deveria estar acompanhada de mais garantias trabalhistas para os
empregados. Além disso, eles cobram a regulação do mercado a fim de
proteger o valor do frete e mecanismos de fiscalização efetivos para que
as empresas e motoristas não se valham de possíveis brechas na
legislação para burlar os limites estabelecidos.
Motorista há 15 anos, Simei Rodrigues da Costa, de 55 anos, diz
gostar da profissão na qual pretende se aposentar em pouco tempo. “Já
fui empregado, mas hoje trabalho por conta. Antes era melhor. Apesar das
cobranças, o dinheiro era certo no final do mês. A vantagem é que hoje
faço o meu horário e sem a pressão do patrão não preciso mais abusar
tanto das horas no volante”, compara, reforçando que quase nenhum
motorista trabalha menos de dez horas por dia.
Susto
Empregado de uma transportadora especializada no transporte de cargas
entre o Brasil e o Paraguai, Roberto Almeida, 26 anos, ainda é novo na
profissão. Mas, em quatro anos de estrada, diz já ter enfrentado vários
problemas, entre eles um acidente em que por pouco não perdeu a vida.
“Naquela semana estava fazendo várias viagens de Foz do Iguaçu a
Assunção. Depois de três dias dirigindo direto, dormindo duas horas por
dia, apaguei e dormi no volante. A sorte é que fui para o lado do
barranco.”
Quanto mais viagens no mês, melhor, afirmam os caminhoneiros. Se para
o motorista que é dono do próprio caminhão o maior volume de frete
garante mais dinheiro e, com isso, cobre todos os custos da viagem sem
comprometer o lucro esperado, para o empregado o atrativo até então
vinha da comissão por quilômetro rodado. O adicional, revelam, é a forma
encontrada pelas empresas para estimular o caminhoneiro a trabalhar
mais e evitar que o funcionário fique muito tempo parado, o que a nova
lei não admite.
Publicado em 19/05/2012 | Fabiula Wurmeister, da sucursal / Foto Marcos Labanca/ Gazeta do Povo