Marcos Labanca / Gazeta do Povo
“A gente não pode se descuidar” Leonardo Stancioli, juiz
Falta de estrutura e preparo do Estado para garantir proteção em casos de ameaça deixa magistrados à mercê da própria sorte.
O
afastamento do juiz federal Paulo Augusto Moreira Lima do processo
contra o bicheiro Carlinhos Cachoeira evidenciou os perigos que
magistrados e promotores públicos correm no exercício da função. Lima
denunciou 79 réus no caso e passou a receber ameaças de morte. “Ele já
tinha recebido intimidações pessoais e não se incomodou muito, mas,
quando a ameaça foi para a família, não sentiu mais condições de
continuar no processo”, conta o conselheiro do Conselho Nacional de
Justiça (CNJ) Jefferson Kravchychyn, que acompanhou a situação.
No
Brasil, os profissionais de toga têm se deparado com situações que os
deixam vulneráveis. Falta de segurança em fóruns, fragilidades do Estado
na proteção do ameaçado e dificuldade em identificar o autor das
intimidações são alguns dos fatores que potencializam o risco,
atrapalhando o trabalho da Justiça. Kravchychyn lembra que qualquer
pessoa que sofra algum tipo de ameaça acaba se desestabilizando.
Henry Miléo / Gazeta do Povo
Tiroteio e luta corporal em pleno fórum:
Uma situação vivida pela promotora de Justiça Márcia Isabele Graf
(foto) há dois anos, em São José dos Pinhais, ilustra a precariedade da
segurança em muitos fóruns. Durante a audiência de um processo
envolvendo um réu de uma organização criminosa no fórum da cidade, ela
correu o risco de morrer. No momento em que o acusado foi se sentar para
prestar depoimento, um homem entrou na sala armado e rendeu o policial
que acompanhava a audiência. Logo em seguida, outros criminosos que
estavam no fórum adentraram na sala, todos com o objetivo de libertar o
réu. Do outro lado do corredor, dois policiais civis que prestavam
depoimentos foram até a sala ver o que tinha ocorrido e teve início uma
troca de tiros. Durante a confusão, a promotora percebeu que o réu tinha
ficado sozinho e tentava fugir. Márcia então aplicou os conhecimentos
do curso de defesa pessoal e imobilizou o acusado, enquanto outros
profissionais do fórum não sabiam como agir. “O que me chamou a atenção
foi a falta de preparo de todos em uma situação de crise. As pessoas
ficam perdidas, não sabem para onde ir”, diz Márcia. O tiroteio terminou
com a morte de um criminoso e um policial ferido. De lá para cá, o
fórum contratou uma empresa de vigilância patrimonial, o que impede a
circulação livre de pessoas
Os últimos dados do CNJ, de novembro de 2011, indicam que 150
magistrados estão ameaçados no país, dos quais 61 recebem escolta. Mas
os números podem ser ainda maiores: uma estimativa nacional feita pelo
desembargador paranaense aposentado João Kopytowski há dois anos
apontava cerca de 400 magistrados ameaçados. Além das intimidações, o
país também contabiliza mortes, como a de Patrícia Acioli, em 2011, no
Rio de Janeiro. A juíza atuava na área criminal e tinha condenado
diversos policiais militares.
Magistrados e promotores criminais estão mais expostos aos riscos,
mas não são os únicos a sofrer ameaças. O presidente da Associação
Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, Renato Sant’Anna,
estima que do ano passado para cá as ameaças contra juízes do trabalho
aumentaram bastante. “Sempre que um juiz contraria algum interesse
econômico ou individual, ele fica sujeito a esse tipo de coisa.” Segundo
Sant’Anna, o Estado brasileiro não está preparado para lidar com a
segurança de seus agentes, pois, completa, faltam um procedimento padrão
e uma resposta imediata.
Reflexo
As ameaças significam um ataque à democracia e ao modo que a
sociedade deliberou para resolver seus conflitos, avalia o juiz e
professor da Universidade de Brasília Paulo Blair. “Essas ameaças
existem, não são desprezíveis, consomem recursos públicos para proteção,
geram insegurança no exercício da função e, se não controlarmos isso na
raiz, podemos chegar a uma situação semelhante à da Colômbia.” Lá, a
insegurança obrigou magistrados a julgar os casos sem mostrar a própria
face.
Diante da situação, entidades e o Estado têm se mobilizado para
oferecer maior segurança aos profissionais ameaçados. O CNJ orienta os
tribunais a criarem protocolos técnicos para o atendimento aos que
sofrem ameaças. No Paraná, o Tribunal de Justiça sugere um convênio com
policiais da reserva para aumentar a segurança nos fóruns.
Já o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB),
Nelson Calandra, defende uma lei penal mais efetiva e “punição àqueles
que agridem a própria sociedade”. Segundo Calandra, as mudanças
propostas no Código Penal (o projeto começou a tramitar nesta semana no
Senado) podem ter reflexos na segurança dos juízes, que, apesar das
ameaças, não têm sido intimidados: “A magistratura é extremamente
corajosa”, garante.
Judiciário debate como melhorar a segurança
Diante das fragilidades encontradas, autoridades e associações do
Judiciário têm realizado ações para aumentar a proteção de seus
profissionais. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por exemplo,
verificou que os tribunais estaduais careciam de protocolos técnicos
para o atendimento aos profissionais que sofriam ameaças. “Estamos
fazendo um trabalho de criação destes protocolos para que, quando houver
ameaça ao magistrado, isso seja analisado por um grupo técnico e sejam
verificados os procedimentos a serem tomados”, explica o conselheiro
Jefferson Kravchychyn, que integra o grupo de segurança de magistrados
no CNJ.
Outro ponto a ser melhorado é a conscientização de que armas e drogas
que servem como provas de processos não devem ficar armazenadas nestes
locais. Também os fóruns precisam ter protocolos e equipamentos de
segurança, além de uma arquitetura que proteja os trabalhadores. O
desembargador aposentado João Kopytowski, que visitou várias unidades,
avalia que a segurança nos fóruns é “precaríssima”. Segundo ele, são
necessários mais equipamentos de segurança, construções mais seguras e
treinamento dos funcionários.
Para o diretor de segurança da Associação dos Magistrados do Paraná
(Amapar), Carlos Klein, a estrutura de segurança ainda é precária em
muitos fóruns de Curitiba e do interior e é preciso melhorias. No
entanto, diz que armas e drogas não têm permanecido nestes locais e são
poucas as situações de ameaças envolvendo magistrados no estado.
Monitoramento
Com reuniões constantes, a Comissão de Segurança do Tribunal de
Justiça do Paraná realiza um trabalho para diminuir, minimizar e
fornecer aos juízes sugestões de posturas a serem adotadas em caso de
intimidação. A comissão também tem atuado visando melhorar a segurança
nos fóruns. Segundo o desembargador Jorge Massad, armamentos e drogas
estão sendo recolhidos. “Já é uma preocupação a menos”, diz, completando
que não há no Paraná nenhum caso grave de ameaça contra juiz.
A comissão também está dando sugestões para a construção de fóruns e acompanhando a licitação de equipamentos de segurança.
Outra proposta do Judiciário é o aproveitamento dos policiais
militares da reserva para a segurança de fóruns e locais públicos,
substituindo os homens da ativa. Segundo a assessoria de imprensa da
Secretaria de Estado da Segurança Pública, será feita nesta semana uma
reunião com os magistrados sobre a proposta, que também interessa ao
órgão.
Bruna Maestri Walter / Foto Marcos Labanca/Gazeta do Povo