domingo, 1 de julho de 2012

Juízes ameaçados, Justiça prejudicada

Marcos Labanca / Gazeta do Povo
Marcos Labanca / Gazeta do Povo / “A gente não pode se descuidar” Leonardo Stancioli, juiz  
“A gente não pode se descuidar” Leonardo Stancioli, juiz
 
Falta de estrutura e preparo do Estado para garantir proteção em casos de ameaça deixa magistrados à mercê da própria sorte.
O afastamento do juiz federal Paulo Augusto Moreira Lima do processo contra o bicheiro Carlinhos Cachoeira evidenciou os perigos que magistrados e promotores públicos correm no exercício da função. Lima denunciou 79 réus no caso e passou a receber ameaças de morte. “Ele já tinha recebido intimidações pessoais e não se incomodou muito, mas, quando a ameaça foi para a família, não sentiu mais condições de continuar no processo”, conta o conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) Jefferson Kravchychyn, que acompanhou a situação.
No Brasil, os profissionais de toga têm se deparado com situações que os deixam vulneráveis. Falta de segurança em fóruns, fragilidades do Estado na proteção do ameaçado e dificuldade em identificar o autor das intimidações são alguns dos fatores que potencializam o risco, atrapalhando o trabalho da Justiça. Kravchychyn lembra que qualquer pessoa que sofra algum tipo de ameaça acaba se desestabilizando.
Henry Miléo / Gazeta do Povo
Henry Miléo / Gazeta do Povo / <b>Tiroteio e luta corporal em pleno fórum</b>: Uma situação vivida pela promotora de Justiça Márcia Isabele Graf (foto) há dois anos, em São José dos Pinhais, ilustra a precariedade da segurança em muitos fóruns. Durante a audiência de um processo envolvendo um réu de uma organização criminosa no fórum da cidade, ela correu o risco de morrer. No momento em que o acusado foi se sentar para prestar depoimento, um homem entrou na sala armado e rendeu o policial que acompanhava a audiência. Logo em seguida, outros criminosos que estavam no fórum adentraram na sala, todos com o objetivo de libertar o réu. Do outro lado do corredor, dois policiais civis que prestavam depoimentos foram até a sala ver o que tinha ocorrido e teve início uma troca de tiros. Durante a confusão, a promotora percebeu que o réu tinha ficado sozinho e tentava fugir. Márcia então aplicou os conhecimentos do curso de defesa pessoal e imobilizou o acusado, enquanto outros profissionais do fórum não sabiam como agir. “O que me chamou a atenção foi a falta de preparo de todos em uma situação de crise. As pessoas ficam perdidas, não sabem para onde ir”, diz Márcia. O tiroteio terminou com a morte de um criminoso e um policial ferido. De lá para cá, o fórum contratou uma empresa de vigilância patrimonial, o que impede a circulação livre de pessoas
Tiroteio e luta corporal em pleno fórum: Uma situação vivida pela promotora de Justiça Márcia Isabele Graf (foto) há dois anos, em São José dos Pinhais, ilustra a precariedade da segurança em muitos fóruns. Durante a audiência de um processo envolvendo um réu de uma organização criminosa no fórum da cidade, ela correu o risco de morrer. No momento em que o acusado foi se sentar para prestar depoimento, um homem entrou na sala armado e rendeu o policial que acompanhava a audiência. Logo em seguida, outros criminosos que estavam no fórum adentraram na sala, todos com o objetivo de libertar o réu. Do outro lado do corredor, dois policiais civis que prestavam depoimentos foram até a sala ver o que tinha ocorrido e teve início uma troca de tiros. Durante a confusão, a promotora percebeu que o réu tinha ficado sozinho e tentava fugir. Márcia então aplicou os conhecimentos do curso de defesa pessoal e imobilizou o acusado, enquanto outros profissionais do fórum não sabiam como agir. “O que me chamou a atenção foi a falta de preparo de todos em uma situação de crise. As pessoas ficam perdidas, não sabem para onde ir”, diz Márcia. O tiroteio terminou com a morte de um criminoso e um policial ferido. De lá para cá, o fórum contratou uma empresa de vigilância patrimonial, o que impede a circulação livre de pessoas
“A gente não pode se descuidar”
Após uma conversa telefônica interceptada pela polícia entre dois presos, o juiz Leonardo Stancioli (foto acima) recebeu a informação no fim de 2010 de que corria perigo. Atuando em Matinhos, no Litoral do Paraná, como juiz criminal no combate ao tráfico de drogas, ele lembra que logo passou a receber ameaças veladas, com cartas, rondas, recados enviados por terceiros e sondagem da família. As ameaças foram repassadas ao Tribunal de Justiça, que disponibilizou proteção.
Stancioli passou a andar armado, com colete à prova de balas, escoltado e se deslocando em um carro blindado. “Você tem que demonstrar o poder de força no combate a esse tipo de situação, de que está protegido, com pessoas ao seu redor, para que vejam que você não está sozinho.”
A proteção ostensiva durou dois meses até que as ameaças foram se reduzindo. No entanto, os cuidados permanecem: “Hoje não estou em risco. Estou em alerta sempre. A gente não pode se descuidar desse tipo de situação”. Os cuidados de segurança incluem até a mudança de endereço da família, que não vive na mesma cidade do magistrado. Stancioli assumiu na semana passada o posto de juiz substituto em Foz do Iguaçu, onde lhe chamaram a atenção a presença de agentes e a existência de portas com detector de metais no fórum – situação diferente da encontrada em muitos locais.
Atentados
Relembre alguns atentados contra magistrados que aconteceram no Brasil:
Jan 2012 – O fórum de Rio Claro (SP) é alvo de atentado à bomba. Já em Nova Serrana (MG), o fórum sofre um incêndio criminoso. No Ceará, parentes de uma magistrada são agredidos.
Ago 2011 – A juíza Patrícia Acioli é morta com 21 tiros ao chegar em casa, em Niterói (RJ). Onze pessoas são acusadas de envolvimento na morte da juíza, que condenou policiais militares acusados de liderar grupos de extermínio em São Gonçalo (RJ).
Out 2010 – O juiz Marcos Caires Luz tem a casa alvejada, em Santa Isabel do Ivaí (PR).
Ago 2010 – O presidente do Tribunal Regional Eleitoral de Sergipe, Luiz Mendonça, tem seu carro atingido por 30 tiros de vários calibres. Ele foi ferido no ombro por estilhaços.
Dez 2005 – Um homem tenta invadir o Hotel de Trânsito do Exército, em Ponta Porã (MS), para matar o juiz federal Odilon de Oliveira.
Mar 2003 – O juiz-corregedor da Vara de Execuções Criminais de Presidente Prudente (SP), José Antonio Machado Dias, é morto na saída do fórum. O crime teria sido encomendado por um dos líderes de uma organização criminosa.
Mar 2003 – O juiz Alexandre Martins de Castro Filho, da 5.ª Vara de Execuções Penais do Espírito Santo, é assassinado.
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Os últimos dados do CNJ, de novembro de 2011, indicam que 150 magistrados estão ameaçados no país, dos quais 61 recebem escolta. Mas os números podem ser ainda maiores: uma estimativa nacional feita pelo desembargador paranaense aposentado João Kopytowski há dois anos apontava cerca de 400 magistrados ameaçados. Além das intimidações, o país também contabiliza mortes, como a de Patrícia Acioli, em 2011, no Rio de Janeiro. A juíza atuava na área criminal e tinha condenado diversos policiais militares.
Magistrados e promotores criminais estão mais expostos aos riscos, mas não são os únicos a sofrer ameaças. O presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, Renato Sant’Anna, estima que do ano passado para cá as ameaças contra juízes do trabalho aumentaram bastante. “Sempre que um juiz contraria algum interesse econômico ou individual, ele fica sujeito a esse tipo de coisa.” Segundo Sant’Anna, o Estado brasileiro não está preparado para lidar com a segurança de seus agentes, pois, completa, faltam um procedimento padrão e uma resposta imediata.
Reflexo
As ameaças significam um ataque à democracia e ao modo que a sociedade deliberou para resolver seus conflitos, avalia o juiz e professor da Universidade de Brasília Paulo Blair. “Essas ameaças existem, não são desprezíveis, consomem recursos públicos para proteção, geram insegurança no exercício da função e, se não controlarmos isso na raiz, podemos chegar a uma situação semelhante à da Colômbia.” Lá, a insegurança obrigou magistrados a julgar os casos sem mostrar a própria face.
Diante da situação, entidades e o Estado têm se mobilizado para oferecer maior segurança aos profissionais ameaçados. O CNJ orienta os tribunais a criarem protocolos técnicos para o atendimento aos que sofrem ameaças. No Paraná, o Tribunal de Justiça sugere um convênio com policiais da reserva para aumentar a segurança nos fóruns.
Já o presidente da As­sociação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Nelson Calandra, defende uma lei penal mais efetiva e “punição àqueles que agridem a própria sociedade”. Segundo Calandra, as mudanças propostas no Código Penal (o projeto começou a tramitar nesta semana no Senado) podem ter reflexos na segurança dos juízes, que, apesar das ameaças, não têm sido intimidados: “A magistratura é extremamente corajosa”, garante.
Judiciário debate como melhorar a segurança
Diante das fragilidades encontradas, autoridades e associações do Judiciário têm realizado ações para aumentar a proteção de seus profissionais. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por exemplo, verificou que os tribunais estaduais careciam de protocolos técnicos para o atendimento aos profissionais que sofriam ameaças. “Estamos fazendo um trabalho de criação destes protocolos para que, quando houver ameaça ao magistrado, isso seja analisado por um grupo técnico e sejam verificados os procedimentos a serem tomados”, explica o conselheiro Jefferson Kravchychyn, que integra o grupo de segurança de magistrados no CNJ.
Outro ponto a ser melhorado é a conscientização de que armas e drogas que servem como provas de processos não devem ficar armazenadas nestes locais. Também os fóruns precisam ter protocolos e equipamentos de segurança, além de uma arquitetura que proteja os trabalhadores. O desembargador aposentado João Kopytowski, que visitou várias unidades, avalia que a segurança nos fóruns é “precaríssima”. Segundo ele, são necessários mais equipamentos de segurança, construções mais seguras e treinamento dos funcionários.
Para o diretor de segurança da Associação dos Magistrados do Paraná (Amapar), Carlos Klein, a estrutura de segurança ainda é precária em muitos fóruns de Curitiba e do interior e é preciso melhorias. No entanto, diz que armas e drogas não têm permanecido nestes locais e são poucas as situações de ameaças envolvendo magistrados no estado.
Monitoramento
Com reuniões constantes, a Comissão de Segurança do Tribunal de Justiça do Paraná realiza um trabalho para diminuir, minimizar e fornecer aos juízes sugestões de posturas a serem adotadas em caso de intimidação. A comissão também tem atuado visando melhorar a segurança nos fóruns. Segundo o desembargador Jorge Massad, armamentos e drogas estão sendo recolhidos. “Já é uma preocupação a menos”, diz, completando que não há no Paraná nenhum caso grave de ameaça contra juiz.
A comissão também está dando sugestões para a construção de fóruns e acompanhando a licitação de equipamentos de segurança.
Outra proposta do Judi­ciário é o aproveitamento dos policiais militares da reserva para a segurança de fóruns e locais públicos, substituindo os homens da ativa. Segundo a assessoria de imprensa da Secretaria de Estado da Segurança Pública, será feita nesta semana uma reunião com os magistrados sobre a proposta, que também interessa ao órgão.


Bruna Maestri Walter / Foto Marcos Labanca/Gazeta do Povo

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