Enquanto brasileiros dizem ter pago pelas terras
paraguaias, os sem-terra alegam que propriedades foram ocupadas
ilegalmente no passado
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Foto: Marcos Labanca /Gazeta do Povo |
Ñacunday,
Paraguai - Acampados sob uma linha de transmissão de energia, na divisa
entre duas propriedades rurais de produtores de sojas brasileiros,
cerca de 10 mil “carperos” – como em espanhol são chamados os que vivem
em barracas – aguardam uma decisão do governo paraguaio e a
concretização do plano de reforma agrária. “Estamos há 13 anos nesta
situação, esperando que nos deem o direito de ocupar as terras que são
dos paraguaios por direito”, afirma o líder do acampamento Santa Lucía,
Victoriano López, na cidade de Ñacunday, a cerca de 75 quilômetros da
fronteira com Foz do Iguaçu, no Oeste do Paraná.
Do
outro lado, agricultores brasileiros tentam na Justiça fazer prevalecer
o direito que têm sobre as terras, a maioria delas adquiridas há cerca
de 40 anos, quando, incentivados pelo presidente Alfredo Stroessner,
imigraram para o Paraguai. Neste intervalo, o domínio da agricultura
mecanizada fez com que garantissem ao país o título de maior produtor de
soja do mundo. “Se hoje temos uma vida confortável, tudo isso foi
alcançado com muito trabalho e suor dos nossos pais”, rebate o membro da
Coordenadora Agrícola do Paraguai (CAP), em Santa Rosa del Monday,
Márcio Giordani.
Marcos Labanca/Gazeta do Povo
Grupos lutam há 13 anos para obter a posse de 167 mil hectares de terras
Os primeiros sem-terra chegaram à região há cerca de um
ano. Em abril de 2011, um grupo ocupou parte das terras do brasileiro
Tranquilo Favero, o maior produtor individual de soja no Paraguai. Em
julho, policiais cumpriram a ordem de reintegração de posse e
desocuparam a área pacificamente. De volta ao acampamento, passaram a
reivindicar uma área vizinha com aproximadamente167 mil hectares que se
espalha pelos estados de Alto Paraná e Itapúa, na fronteira com a
Argentina. Os carperos exigem que o Estado retome a área que teria sido
ocupada e repassada ilegalmente a outros agricultores ainda em 1890.
A reportagem da Gazeta do Povo esteve no Paraguai nesta semana diversas vezes para detalhar o que cada lado alega. Confira:
“Os títulos das nossas terras são todos legais”
Estima-se que atualmente vivam no Paraguai cerca de 350 mil
imigrantes e descendentes brasileiros. A maioria agricultores e
pecuaristas instalados há quatro décadas nos estados de Alto Paraná,
Itapúa e Canindeyú, na fronteira com o Brasil e a Argentina. “São três
gerações: filhos e netos de brasileiros, quase todos nascidos aqui,
paraguaios como os próprios campesinos, com direitos e deveres iguais”,
aponta o representante da Coordenadora Agrícola do Paraguai (CAP) em
Santa Rosa, Márcio Giordani, 35 anos, agricultor, paraguaio, filho de
brasileiros.
Desde o início do impasse entre carperos e produtores da região, os
agricultores têm recorrido à Justiça para provar que não há restrição à
posse das terras reivindicadas pelos campesinos de Ñacunday. “Os títulos
das nossas terras são todos legais. Foram comprados e pagos. Os bancos
aceitam esses documentos como garantia para conceder crédito aos
agricultores”, afirma. “Se na época o governo fez alguma coisa errada,
não podemos responder por isso”, avalia.
Alvo dos carperos, o Grupo Favero possui 9 mil hectares de terra na
área de conflito. Com uma produção anual de quase 400 mil toneladas de
soja, cerca de 8% da produção nacional, é responsável por cerca de 2 mil
empregos diretos. “Se tudo isto é ilegal, por que o governo nunca
questionou a legitimidade destas terras?”, reforça o advogado e
representante da companhia, José Costa. “Hoje se viram contra nós,
amanhã será contra outros produtores. Este não é um conflito agrário,
mas de interesses.”
Diretor estadual da CAP em Canindeyú, o engenheiro agrícola Hermes
Aquino classifica o problema como uma questão de ordem social e
histórica. “A falta de assistência acompanha os paraguaios há tempos.
Vários dos que conseguiram do governo um pedaço de terra na verdade
nunca foram nem serão agricultores. E aqueles que realmente querem
trabalhar e ainda insistem em plantar passam necessidade sem ter o que
comer”, afirma. “Muitos dos que estão aí neste acampamento certamente
estão interessados apenas na vantagem que podem ter.”
“Os brasileiros são os verdadeiros invasores”
Transportador de mercadorias em Ciudad del Este, Victoriano López, 59
anos, se apresenta como líder dos carperos de Ñacunday, no Paraguai. Há
dois anos como dirigente campesino diz não saber como entrou para o
movimento, mas garante não querer terras. “Sempre trabalhei e minha
família tem uma boa condição de vida. Não preciso de nada. Estou lutando
pelo direito destas pessoas, os legítimos paraguaios, e pela soberania
do meu país”, justifica, acompanhado por dezenas de homens, mulheres e
crianças do acampamento Santa Lucía.
Sobre o risco de confronto com a polícia ou os proprietários das
terras, ele diz acreditar na Justiça, mas admite não poder controlar a
multidão que está aguardando uma solução para o impasse. “No início
éramos um grupo pequeno. Hoje são entre 7 mil e 10 mil pessoas que
exigem o pedaço de chão a que têm direito. Não incentivo a invasão, mas
se decidirem ocupar o restante das terras, sozinho não posso fazer
nada”, afirma. “As condições são precárias. Crianças estão doentes. Não
há o que beber ou comer. Todos estão no limite.”
Por todo lado, táxis e mototáxis indicam que muitos dos que estão no
acampamento nunca foram agricultores. Questionado sobre a possibilidade
de receberem terras em outra região, López dispensa. “Queremos estas
terras, nossas de direito. Tenho certeza que não sairemos de mãos
vazias. Daqui só sairemos mortos”, enfatiza. Ele assegura ainda que não
haveria problemas em dividir a área com os brasileiros, “desde que se
prove e a Justiça aceite que os títulos são legais.”
Na semana passada, um grupo de carperos entregou ao presidente
Fernando Lugo um documento com mais de 10 mil assinaturas exigindo a
retomada da área de mais de 167 mil hectares entre os estados de Alto
Paraná e Itapúa, a mais produtiva do país. “Os brasileiros são os
verdadeiros invasores destas terras. Desde 1890 esta área, antes coberta
por ervais, e outras que somam 530 mil hectares, vêm sendo ocupadas e
vendidas ilegalmente. Os títulos que os brasileiros dizem ser legais são
todos falsos. E, se são verdadeiros como dizem, por que não mostram?”,
desafia.