segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Tem brasileiro no acampamento


Marcos Labanca/Gazeta do Povo
Marcos Labanca/Gazeta do Povo / Cerca de 10 mil campesinos estão acampados na divisa entre duas propriedades de brasiguaios, em Ñacunday: brasileiros misturados aos paraguaios 
Cerca de 10 mil campesinos estão acampados na divisa entre duas propriedades de brasiguaios, em Ñacunday: brasileiros misturados aos paraguaios


Pelo menos 100 sem-terra do Brasil engrossam o movimento carpero no Paraguai. Eles também reivindicam terras de brasiguaios
Ñacunday, Paraguai - Entre goles de chimarrão, sentado na soleira da casa de um cômodo feita de folhas de compensado, ao lado da mulher e da filha, Carlos demora para abrir o jogo. Conversa sobre a vida no campo, a luta por um pedaço de terra, até que uma palavra ou outra em bom português começa a pontuar a conversa, antes em puro castelhano.

Revela, mais de meia hora depois, que é brasileiro, assim como outros cem que também acampam em Ñacunday, em uma área em que paraguaios tentam retomar as terras de fazendeiros do Brasil que se instalaram por ali décadas atrás.
Ataques
Líderes são alvos de acusações
Atualmente, 80% dos 6 milhões de habitantes do Paraguai não têm terra, segundo os carperos. A maioria está espalhada em áreas de fronteira. No acampamento em Ñacunday vivem 10 mil e a previsão é de que o grupo aumente nas próximas semanas. Nos últimos três dias, cerca de 40 barracas foram montadas. Muitos chegam de moto, carro ou caminhão. Trazem uma muda de roupa e são amparados pelos sem-terra, depois de recebidos por dirigentes do movimento que, em meio a denúncias, continuam muito respeitados.
O líder Victoriano Lopez Cardoso está sob suspeita de explorar prostituição feminina no acampamento para bancar suas despesas com as viagens de avião para Assunção. Outro dirigente, Rosalino Casco, é acusado de ameaçar de morte jornalistas paraguaios. “Essa acusação é um absurdo, basta falar com todos aqui e você vai ver que isso não existe”, defendeu-se Lopes, enquanto Casco nega as ameaças ao mesmo tempo em que admite a intolerância com a imprensa daquele país e a maneira com que ela registra o movimento campesino local. (O Globo)
Lugo pede trégua a sem-terra paraguaios
Os sem-terra paraguaios vão suspender por uma semana a ameaça de invasão de terras produtivas de brasileiros na região do Alto Paraná, na fronteira do país com o Brasil. Em assembleia de cerca de três horas, na noite de sábado, os carperos decidiram dar uma trégua e aguardar uma solução do governo paraguaio, como solicitado pelo presidente Fernando Lugo.
“O governo se comprometeu a pedir aos estrangeiros os títulos de propriedade para verificar se são autênticos e vamos esperar que essa verificação seja realizada na próxima semana”, disse um dos líderes do movimento, Federico Ayala, em entrevista por telefone.
Os sem-terra defendem a revisão dos títulos das propriedades rurais adquiridas nos últimos 40 anos. O processo envolveria cerca de 10 mil produtores rurais brasileiros que têm terras na região. Para os sem-terra, as fazendas foram adquiridas ilegalmente.
Legalidade
Após encontro, semana passada, com os carperos, Lugo analisou a situação com seus principais mi­­nis­­tros e assessores relacionados à questão agrária em reunião na manhã de sábado, na residência oficial, em Assunção. Ao fim do encontro, o ministro-chefe do Ga­­bi­­nete Civil, Miguel López Perito, informou que o presidente fará um pronunciamento sobre o conflito hoje. López Perito antecipou que a solução ocorrerá dentro da lei.
A atitude do governo não foi suficiente para acalmar os brasileiros ameaçados pela invasão. “A promessa tranquilizará na medida em que for efetiva. Se só fala e não faz, não resolve nada”, disse o gerente-geral da Coope­rativa de Produtores de Naranjal (Copronar), com sede a 50 quilômetros de Santa Rosa de Monday, Sergio Luis Senn. Os brasiguaios representam 85% dos produtores da cooperativa.
“Não sabemos se esse prazo pedido para cumprir a lei é so­­mente uma manobra para ga­­nhar tempo ou se é mesmo para fazer o levantamento da situação na região”, emendou. (Agência Estado)

A presença de Carlos e outros sem-terra brasileiros coloca em xeque o alvo da disputa: brasileiros estão tentando ocupar fazendas de brasileiros que, por sua vez, são acusados pelos paraguaios de explorar terras que, na versão deles, não poderiam estar nas mãos de estrangeiros. O imbróglio explica, em parte, porque os brasileiros tentam se camuflar em meio aos sem-terra vizinhos.

Ainda solteiro, no final dos anos 1990, Carlos deixou Santa Catarina para tentar a sorte no Paraguai. Comprou de um brasileiro que já vivia lá um pedaço de terra suficiente para o plantio de milho e mandioca, e criação de porcos. O sonho de ganhar a vida com a agricultura, acalentado desde a adolescência, acabou três anos depois, quando descobriu, na marra, que os 20 alqueires não estavam em seu nome.

“Um dia chegou um empresário brasileiro dizendo que as terras eram dele. Ele me mostrou um documento e, quando fui ao cartório, descobri que meus papéis não valiam nada. Fomos expulsos sob ameaças”, diz, com olhos marejados, enquanto a única filha brinca em uma fogueira onde a família esquenta a água para o banho e o preparo da comida. Hoje, Carlos, a mulher e a filha são carperos, pois vivem em barracas que, no Para­guai, são conhecidas como carpas.

Tabu

A presença de brasileiros no acampamento 12 Apóstolos é tratada como tabu. Só depois de três dias percorrendo trilhas que dão acesso às barracas é que a reportagem conseguiu a primeira aproximação. Muitos, assim que a reportagem se aproximava, trocavam o português pelo castelhano. Alguns já aprenderam a falar guarani.

A direção do movimento foi quem orientou os brasileiros a evitar exposição, já que a luta dos sem-terra passa justamente pela tentativa de comprovar a ilegalidade da posse de terra por quem não é paraguaio. “Sim, estamos tentando um pedaço de terra, qual o problema?”, diz um brasileiro, que mantém a família no Paraná. “Se resolverem a situação, trago todo mundo, mas antes quero ter a certeza de que poderemos ficar tranquilamente.”

O comando dos sem-terra minimiza a presença de brasileiros no acampamento. “Tinha uns dez, mas já foram embora”, despista Victoriano Lopez Cardoso, líder do grupo. “Eles estão proibidos de entrar aqui. A luta é do povo paraguaio”, reforça outro dirigente, Rosalino Casco. Assim como atesta não ter brasileiros, o comando evita se estender sobre uma possível relação com o MST brasileiro.

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