Enquanto brasileiros dizem ter pago pelas terras
paraguaias, os sem-terra alegam que propriedades foram ocupadas
ilegalmente no passado
Foto: Marcos Labanca /Gazeta do Povo |
Do outro lado, agricultores brasileiros tentam na Justiça fazer prevalecer o direito que têm sobre as terras, a maioria delas adquiridas há cerca de 40 anos, quando, incentivados pelo presidente Alfredo Stroessner, imigraram para o Paraguai. Neste intervalo, o domínio da agricultura mecanizada fez com que garantissem ao país o título de maior produtor de soja do mundo. “Se hoje temos uma vida confortável, tudo isso foi alcançado com muito trabalho e suor dos nossos pais”, rebate o membro da Coordenadora Agrícola do Paraguai (CAP), em Santa Rosa del Monday, Márcio Giordani.
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Grupos lutam há 13 anos para obter a posse de 167 mil hectares de terras
Opinião
Impasse no campoRamón Fogel, filósofo e sociólogo estudioso do movimento sem-terra paraguaio
Os conflitos em Ñacunday têm como principal entrave a medição judicial a cargo do Instituto Nacional de Desenvolvimento Rural e da Terra (Indert). Uma das formas mais seguras de se verificar a situação destas terras seria a medição de acordo com as leis vigentes no Paraguai, o que ainda não aconteceu. Este impasse vem sendo permeado de um lado por um claro caráter etnofóbico e de outro por uma forte rejeição às reivindicações dos campesinos paraguaios.
Ñacunday e as alegações de títulos duplicados ou falsos não são exceções em um país de 406 mil km² que tem, no entanto, 530 mil km² de propriedades registradas. Algumas contam com dois, três e até mais títulos, quando judicialmente apenas um é válido. Se diante disso se mostra insensato opor-se à medição judicial, não menos legítimo é utilizar-se desta proposta de medição para se criar um clima de desestabilização e impasse no campo.
A reportagem da Gazeta do Povo esteve no Paraguai nesta semana diversas vezes para detalhar o que cada lado alega. Confira:
“Os títulos das nossas terras são todos legais”
Estima-se que atualmente vivam no Paraguai cerca de 350 mil imigrantes e descendentes brasileiros. A maioria agricultores e pecuaristas instalados há quatro décadas nos estados de Alto Paraná, Itapúa e Canindeyú, na fronteira com o Brasil e a Argentina. “São três gerações: filhos e netos de brasileiros, quase todos nascidos aqui, paraguaios como os próprios campesinos, com direitos e deveres iguais”, aponta o representante da Coordenadora Agrícola do Paraguai (CAP) em Santa Rosa, Márcio Giordani, 35 anos, agricultor, paraguaio, filho de brasileiros.
Desde o início do impasse entre carperos e produtores da região, os agricultores têm recorrido à Justiça para provar que não há restrição à posse das terras reivindicadas pelos campesinos de Ñacunday. “Os títulos das nossas terras são todos legais. Foram comprados e pagos. Os bancos aceitam esses documentos como garantia para conceder crédito aos agricultores”, afirma. “Se na época o governo fez alguma coisa errada, não podemos responder por isso”, avalia.
Alvo dos carperos, o Grupo Favero possui 9 mil hectares de terra na área de conflito. Com uma produção anual de quase 400 mil toneladas de soja, cerca de 8% da produção nacional, é responsável por cerca de 2 mil empregos diretos. “Se tudo isto é ilegal, por que o governo nunca questionou a legitimidade destas terras?”, reforça o advogado e representante da companhia, José Costa. “Hoje se viram contra nós, amanhã será contra outros produtores. Este não é um conflito agrário, mas de interesses.”
Diretor estadual da CAP em Canindeyú, o engenheiro agrícola Hermes Aquino classifica o problema como uma questão de ordem social e histórica. “A falta de assistência acompanha os paraguaios há tempos. Vários dos que conseguiram do governo um pedaço de terra na verdade nunca foram nem serão agricultores. E aqueles que realmente querem trabalhar e ainda insistem em plantar passam necessidade sem ter o que comer”, afirma. “Muitos dos que estão aí neste acampamento certamente estão interessados apenas na vantagem que podem ter.”
“Os brasileiros são os verdadeiros invasores”
Transportador de mercadorias em Ciudad del Este, Victoriano López, 59 anos, se apresenta como líder dos carperos de Ñacunday, no Paraguai. Há dois anos como dirigente campesino diz não saber como entrou para o movimento, mas garante não querer terras. “Sempre trabalhei e minha família tem uma boa condição de vida. Não preciso de nada. Estou lutando pelo direito destas pessoas, os legítimos paraguaios, e pela soberania do meu país”, justifica, acompanhado por dezenas de homens, mulheres e crianças do acampamento Santa Lucía.
Sobre o risco de confronto com a polícia ou os proprietários das terras, ele diz acreditar na Justiça, mas admite não poder controlar a multidão que está aguardando uma solução para o impasse. “No início éramos um grupo pequeno. Hoje são entre 7 mil e 10 mil pessoas que exigem o pedaço de chão a que têm direito. Não incentivo a invasão, mas se decidirem ocupar o restante das terras, sozinho não posso fazer nada”, afirma. “As condições são precárias. Crianças estão doentes. Não há o que beber ou comer. Todos estão no limite.”
Por todo lado, táxis e mototáxis indicam que muitos dos que estão no acampamento nunca foram agricultores. Questionado sobre a possibilidade de receberem terras em outra região, López dispensa. “Queremos estas terras, nossas de direito. Tenho certeza que não sairemos de mãos vazias. Daqui só sairemos mortos”, enfatiza. Ele assegura ainda que não haveria problemas em dividir a área com os brasileiros, “desde que se prove e a Justiça aceite que os títulos são legais.”
Na semana passada, um grupo de carperos entregou ao presidente Fernando Lugo um documento com mais de 10 mil assinaturas exigindo a retomada da área de mais de 167 mil hectares entre os estados de Alto Paraná e Itapúa, a mais produtiva do país. “Os brasileiros são os verdadeiros invasores destas terras. Desde 1890 esta área, antes coberta por ervais, e outras que somam 530 mil hectares, vêm sendo ocupadas e vendidas ilegalmente. Os títulos que os brasileiros dizem ser legais são todos falsos. E, se são verdadeiros como dizem, por que não mostram?”, desafia.
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